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A preparação do romance I - Roland Barthes


Primeiramente estranhei o livro porque eu não sabia que eram anotações de um curso e não, propriamente, palavras escritas para se tornarem um livro. Eu estava comprando os livros das Crônicas de Nárnia e este estava em promoção, como o título era “A preparação do romance” pensei: “Eu preciso desse livro!”

Sinopse

Este foi o último curso ministrado por Roland Barthes no Collège de France. Neste curso, Barthes empreendeu 'uma interrogação sobre as condições (interiores) em que um escritor, hoje, pode pensar em empreender a preparação de um romance'. Mas não se tratava de analisar o gênero romance de modo histórico ou teórico, nem mesmo de coletar informações sobre as técnicas usadas por diferentes romancistas do passado na preparação de seus romances. O ponto de vista adotado foi o da fabricação, assumida por um sujeito particular que pretendesse escrever um romance. Essa reflexão lhe permitiria, talvez, a realização da fantasia pessoal de se tornar romancista. No primeiro volume, Barthes examina a prática inicial de toda escrita - a anotação. Em vez de examinar os carnês de notas de romancistas, ele analisa o haicai japonês, considerado como 'a realização exemplar de toda anotação'. No haicai, explora três campos de anotações - a individuação das estações e das horas; o instante, a contingência; o afeto leve. Este primeiro curso é acompanhado de um seminário sobre o tema do 'Labirinto'.

Opinião curta

Adorei! Me forneceu dicas ótimas e estou ansiosa para ler o volume 2. Achei que teria uma linguagem complicada, mas é bem tranquilo. A única coisa que não gostei muito foi a quantidade de tempo dedicada ao haicai, pois algumas vezes me perguntava porque ele estava explicando aquilo. Eu acho que o livro também serve como uma força motivadora para quem, como eu, ainda não criou vergonha na cara coragem de escrever logo (já que é meu sonho). Como fiz muitas anotações vou deixar o restante dos comentários mais abaixo.

Quem gostaria desse livro?

Pessoas que querem escrever e pessoas que estejam estudando os escritos de Roland Barthes. De qualquer forma, é um livro técnico, então vai ser útil para quem quer estudar os diversos aspectos da obra. Não imagino alguém lendo este livro apenas pelo prazer de ler.

Opinião longa

Então, como dito no início, apesar de não pesquisar nada sobre este livro eu comprei mesmo assim, e a minha surpresa foi saber que o livro são anotações que Roland Barthes fazia para um curso ministrado sobre “A preparação do romance”. O curso foi ministrado nos anos de 1978 a 1979 e essas anotações foram convertidas em dois volumes.

Também tive a sorte de terminar de ler este volume e encontrar uma promoção do segundo volume no site da FNAC, acabei pagando mais barato do que se tivesse encontrado ele na Bienal, que era onde eu pretendia comprar, mas a Martins Fontes não levou ele para lá, então não deu.

Fisicamente falando, eu adorei o formato, a capa, as folhas grossas e amarelas, e tudo mais. Adoro a Martins Fontes por isso, os livros são muito bem feitos. Antes de começarem as anotações também existe uma ótima explicação sobre o texto de Roland Barthes, como eles transferiram essas anotações para o livro e como funcionou a tradução do francês também.

Acabei me identificando com Roland Barthes no sentido de sempre ter querido escrever um romance, mas nunca ter escrito. Claro que ele se tornou um grande estudioso e escreveu muitíssimas outras coisas, mas não isenta o fato de que nunca publicou seu romance, que ele desejava tanto.

Talvez ele tenha ficado tanto tempo se preparando para esse momento da escrita que acabou morrendo antes de conseguir começar a escrever (ele morreu em um acidente). E isso me inspira a começar logo também, quer dizer, claro que vou estudar para isso, mas não posso ficar sempre achando que não estou pronta, vou escrever e seja o que Deus quiser!

A primeira frase do prefácio é uma de Jules Michelet que eu gostei bastante, porque expressa o que sinto, às vezes, quando escrevo.
"Transmiti as coisas como elas existiam então em minha paixão, novas, animadas, candentes (e encantadoras para mim), sob o primeiro atrativo do amor." Jules Michelet - pg XIII
Lindo, não?

Roland Barthes faz várias citações durante o curso, que tem suas origens rastreadas pelos editores e transferidas para o rodapé. E é no rodapé também que são dadas várias explicações a respeito do que está sendo dito ou de alguma coisa que ele tenha falado no curso e não tenha anotado.  Claro que escapam algumas coisas e algumas citações que ele fez, mas que não foi localizado a origem exata.

No começo me assustei achando que não entenderia nada no livro, pois, se fossem anotações minhas, seriam totalmente ininterpretáveis! Mas pela exatidão deste livro eu acredito que Roland Barthes era uma pessoa bastante metódica e dedicada ao que fazia, pois as anotações são totalmente compreensíveis e esclarecedoras.

O assunto principal é o romance. É? Não. Apesar de se chamar “A preparação do romance” acredito que nesse primeiro volume o assunto principal tenha sido a anotação, ou melhor dizendo, o haicai. Pois Roland Barthes cita o haicai como o tipo perfeito de anotação e parte daí uma longuíssima explicação sobre isso.

Inclusive fiquei um período no livro pensando: “Tá, mas e o romance, meu filho?!”. Calma Lidi, devagar se vai ao longe.

Então, com paciência, eu absorvi muita coisa, não tudo, mas muito. Para verificar todas as anotações acesse meu histórico de leitura no Skoob.

Uma das primeiras coisas que anotei é quando ele fala sobre fazermos a mesma coisa sempre e nos condicionarmos a isso, nos impedindo de diferenciar e inovar. É o que diz aquela famosa frase, que não tenho certeza se foi dita pelo Albert Einstein mesmo, e se foi dita assim, mas... “Insanidade é fazer sempre a mesma coisa esperando resultados diferentes.”

Durante todo o livro ele menciona várias vezes o trabalho de Proust em “Em busca do tempo perdido”, e, já no início, ele menciona como a dor influencia o início do trabalho, quer dizer, muitos escritores começaram a escrever após uma tragédia na família ou em sua própria vida. Isso foi mais um incentivo para eu começar a escrever logo, afinal, o que estou esperando? Uma tragédia para me motivar? No way man!

Outro empecilho que, em minha opinião, ele verifica, seria a Fantasia de Escritura, quer dizer, eu posso fantasiar tanto o livro que quero escrever, mas na hora de escrever, essa fantasia jamais se realizará, porque não é possível escrever tão perfeitamente como talvez imaginei.  Mesmo assim, é preciso fantasiar, é preciso sonhar para poder escrever, mas ao iniciar o trabalho é preciso se desprender um pouco daquilo, reconhecendo e corrigindo os erros.
“Fantasia de Escritura = eu produzindo um “objeto literário”; isto é, escrevendo-o (aqui a fantasia apaga, como sempre, as dificuldades, os fiascos) [...] É somente ao lutar com o real (a prática poética, romanesca) que a fantasia se perde como fantasia e atinge o Sutil, o Inédito [...] Portanto, a fantasia de escritura serve de guia à Escritura: a fantasia como guia iniciático (cf. Virgílio e Dante).”
Incrível não é? E só chegamos na página 22. Hehehe
"O romance precisa acender a curiosidade, precisa dessa necessidade do leitor de saber o próximo passo. O depois da leitura deve ser diferente do antes."
Eu só sei que fiz tantas anotações que, se fosse comentar todas, ficaria uma semana fazendo esse post! Mas ainda vou falar mais um pouco para reforçar o conteúdo em minha memória.
"O Momento de verdade não é desvendamento, mas, ao contrário, surgimento do ininterpretável, do último grau do sentido, do depois do quê, nada há a dizer: daí a filiação com o haicai e a Epifania."
Concordo plenamente com essa afirmação, porque os livros que mais nos emocionam causam essa sensação. Assim ele conclui que o valor da obra poder ser aferido a partir da força dos momentos retratados nela, ou seja, o quanto isso nos impacta. Achei muito bem colocado, pois, inclusive, menciona que alguns momentos da obra justificam suas falhas.

Voltando a Proust, ele diz que o amor é que move o Romance, assim, escrevemos sobre o amor, ou sobre quem amamos, talvez trazendo traços aos personagens ou aos fatos, colorindo com o que temos de memória. Aqui também ele diz uma coisa que cabe à mim, que não escreve um romance sobre sua vida porque não lembra dos fatos passados com exatidão. O mesmo comigo, além de não lembrar muito bem as coisas, minha vida não foi tão emocionante para ser escrita. Kkkkkkkk
"Queremos sempre que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ora, ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção." Gaston Bachelard
Lendo este livro eu cheguei à conclusão de que, se Roland Barthes tivesse conseguido escrever o romance que pretendia, teria ficado muito bom.

Haicai

Agora nos ocuparemos do Haicai, um assunto que aparece muito neste livro. Porque Barthes acredita que o haicai é a forma perfeita de anotação. Não sei se concordo, pois se anotasse tão objetivamente quanto é um haicai, provavelmente não me entenderia depois. Hauahuaha

Ele compara o haicai à fotografia, ou seja, os dois retratam a realidade com bastante exatidão, também coloca isso em contraponto com o cinema, que utiliza diversos recursos para distorcer a realidade, mas, hoje em dia, não se pode confiar nas fotos também. Embora eu ainda concorde que o haicai parece mesmo uma fotografia, talvez até com um Gif, que imaginamos ao lê-la.

Um momento onde eu fiquei rindo sozinha foi na próxima passagem:
"Mas se me coloco na posição de narrador, isso se atravanca com coisas que é "necessário" dizer (para a lógica da narração), mas que eu mesmo acho tediosas de contar."
Mas é isso mesmo! É mais divertido fazer a anotação do que passá-la para o papel depois! Porque pensar em todos os mínimos detalhes é bem mais chato! kkkkk

Mas e então? Como passar de haicai para romance? Vou resumir colocando apenas os tópicos que aparecem no livro:

1-Prática cotidiana da anotação.
a) Instrumentalização;
b) Disponibilidade;
c) Constância;
d) Vivacidade deslocada, vivacidade atrasada;
e) Questionamento.

Para encerrar essa parte, Barthes conclui:
"Talvez, portanto: conseguir fazer um romance [...] é, no fundo, aceitar mentir, conseguir mentir (mentir pode ser muito difícil) - mentir com aquela mentira segunda e perversa que consiste em misturar o verdadeiro e o falso -> Definitivamente, então, a resistência ao romance, a impotência da prática do romance seria uma resistência moral."
Está explicado porque ainda não sou escritora, é a moral falando mais alto.

hUAhaUHaUAHa

Antes de acabar o livro existe a sessão de abertura e de encerramento de um seminário sobre “A metáfora do labirinto”, que eu não sei se entendi, mas vou tentar colocar abaixo minhas observações também.

Acredito que essa metáfora do labirinto seja bem mais do que eu entendi, mas primeiramente entendi que ele trabalhará essa metáfora a partir de várias disciplinas.

Sobre o labirinto, talvez ele seja o próprio trabalho do escritor, que nunca chega à saída, mas trabalha para isso e é daí que resulta suas obras. Ou, talvez, o labirinto seja a própria narrativa. Com suas inúmeras complicações de enredo, onde a origem também é uma ilusão. Então, se não há nada no labirinto a busca do "nada" acaba por se tornar a única história, o objetivo.
"Ao termo de exposições muito variadas, notamos que o Labirinto é, talvez, uma 'falsa' metáfora, na medida em que sua forma é tão tópica, tão pregnante, que nela a letra vence o símbolo: o Labirinto gera narrativas, não imagens. O seminário terminou, não com uma conclusão, mas com uma nova pergunta: (...) 'Onde começa um Labirinto?'"

Então é isso, acaba o livro e acaba a resenha. Até o volume II!

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