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Mente tranquila


Ana vomitou na pia do banheiro até não ter mais o que jogar fora.
O arrependimento não havia acabado apenas com a sua consciência, mas também com o seu físico.
Ana matou a irmã por causa de sua inveja. Para poder ter tudo o que ela tinha. Mas... Arrependia-se do assassinato ou do fracasso que veio depois da morte?
Não ficou com o namorado, não ficou com o amor da mãe, não ficou com as amigas populares, não ficou com o dinheiro nem com o prestígio social.
Isso pertencia à Sara.
Mesmo morta.
O namorado, que, quando era de Sara parecia um príncipe encantado, na verdade era um canalha, patife, filho-da-puta, sem-vergonha. Não havia adjetivo ruim o suficiente para descrevê-lo. Além de viver drogado ele a enganava sem um pingo de remorso.
Ana também foi enganada. No entanto, conseguiu se livrar ilesa.
A mãe amava Sara acima de tudo. Reclamava sempre: de estar doente, de dar trabalho, de não servir para nada. Sara não ouvia. Se ouvia, não acreditava. E sempre estava lá, cuidando e entregando todo amor e carinho.
Ana não tinha a paciência de Sara. O asilo era o melhor lugar.
As amigas, afinal, não eram tão legais assim. Não se comportavam mal. Nunca fizeram nada errado, e se faziam se arrependiam demais. As regras da sociedade deviam ser seguidas.
Ana não acreditava em regras, tinha amigas como ela. Não eram populares naquela escola, melhor assim. Antes ser original.
O dinheiro ficara para a mãe. Que devia ter doado para o asilo. Ana viu que não era muito mesmo.
O prestígio social era só de Sara. Era para o jeito dela.
Ana achava insuportável fingir daquela maneira.
É. Seria impossível ter dado certo. Ana, de verdade, nunca quis ser Sara. Nem ao menos, quis o que era dela.
Só agora percebia.
Ana queria um namorado – mas não aquele –, o amor de uma mãe – mas sem dar nada em troca –, amigas populares – mas que continuassem as mesmas –, dinheiro para gastar – mas que fosse infinito – e prestígio social – mas não o daquela gente mesquinha.
Parou de vomitar. Enxaguou a boca, escovou os dentes. A ardência na garganta continuava. Mas uma coisa havia mudado: o arrependimento.
Graças à morte da irmã, Ana conseguia entender quem era e o que queria. Não começaria vida nova, continuaria a que tinha. Sem irmã, sem mãe, não importava, o essencial estava ali: ela.

Comentários
2 Comentários

2 comentários:

  1. Delícia ler esse texto, adoro o mundo fictício pq se pode ser mal nele sem culpa, com frieza. Amei!!!

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  2. Pois é, o que seria de mim sem esse mundo hehehehe

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