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Quem não faz, não cheira


O que esperar deste texto?
Foi um texto que eu escrevi tendo me inspirado em uma figura dentro da matéria sobre a história do vaso sanitário. Primeiramente eu gostaria de ter feito um diálogo cômico das pessoas que faziam suas necessidades neste banheiro, mas no decorrer do diálogo eu quis colocar mais complexidade e acabei transformando tudo em uma história empresarial (oi?). Enfim, para quem quiser ver a respeito dos banheiros públicos romanos (onde eu me inspirei) clique aqui. Beijos e aproveitem a história!

Analisando o tempo que os funcionários levavam no banheiro (possivelmente dormindo) e o gasto exorbitante por causa dessa alta frequência, o Senhor Marcondes resolveu construir em sua empresa banheiros públicos assemelhados com os antigos banheiros gregos.
Inicialmente, essa mudança foi aplicada apenas ao banheiro masculino, pois em sua empresa trabalhavam apenas duas mulheres, muito distintas por sinal.
Os funcionários estranharam a mudança e, nos primeiros dias, evitavam o máximo possível comparecer àquele recinto público, no entanto, alguns mais extrovertidos tomaram à frente e, aos poucos, muitos já se sentiam à vontade com toda essa situação.
Senhor Marcondes começou novamente a avaliar a situação e descobriu que muitos passavam ainda mais tempo no banheiro, pois agora o passavam conversando.
- Você viu a merda que o Otávio fez?
- Cara, nem vi, mas ele tem mesmo uma cara de cagão.
- Não, não. Estou me referindo ao relatório para a apresentação de ontem.
- Hmmm, verdade, também ficou uma bosta. Se ele tivesse se dedicado à apresentação tanto quanto se dedica no banheiro teríamos conseguido a campanha.
- Dá uma olhada, ele levantando, nem consegue caminhar direito, deve estar todo assado de tanto fazer cagada.
- Verdade, aquelas apresentações são ridículas.
- Sim, mas dessa vez eu estava me referindo ao trabalho no banheiro mesmo. Eita, estou ouvindo os passos do chefe. Fui!
Enquanto Walfrido arrumava as calças, Lesmael se apurava em terminar para não ser pego pelo chefe, já que seria a segunda vez naquele dia. Mas não deu tempo, Walfrido conseguiu sair enquanto o chefe entrava gritando:
- Puta que pariu! Que fedor é esse?! Não tem aromatizador? Não tem janela?! Vítor! Vítor! Acabaram os incensos criatura?
Um rapaz bastante jovem e encolhido veio correndo até o banheiro.
- Desculpa chefe, queimamos o último hoje.
- Desculpa é o caralho! Quem está encarregado de comprar esta merda?
- Então chefe, o senhor ficou de comprar... Mas eu vou agora mesmo se o senhor quiser.

- Então cala a boca e vai infeliz! Quem é responsável de me lembrar o que eu esqueço?
Entendendo a pergunta retórica, Vítor correu o mais que suas perninhas conseguiram. Enquanto Lesmael tentava sair despercebido pelo mínimo espaço deixado na entrada.
Tarde demais.
Senhor Marcondes o puxou pelo colarinho e ordenou sua ida ao Recursos Humanos. Mas ao chegar lá, a funcionária não fazia a menor idéia do porquê de sua vinda. Lesmael, por sua vez, informou que precisavam de mais incensos no banheiro. Diante da resposta seca de que esse não era seu trabalho, ele virou as costas e voltou feliz para seu trabalho, certo de que havia, mais uma vez, driblado as regras estúpidas do chefe.
Talvez essas constantes necessidades de fuga e dissimulação dessem a adrenalina que era preciso para reter estes dois funcionários folgados, Lesmael e Walfrido, que comemoraram a vinda do banheiro público como um desafio a mais. Enquanto os outros reclamavam da falta de privacidade, eles comemoravam a chance de fofocar sobre o pum alheio. Enquanto os outros evitavam ir até lá, os dois faziam questão de comparecer.
Mas o Senhor Marcondes resolveu reunir alguns funcionários confiáveis para decidir o que fazer para evitar tantas idas ao banheiro e, ao mesmo tempo, não gastar muito, pois algumas soluções se mostravam financeiramente inviáveis.
- Eu acho que... – disse Vítor acanhado, durante uma calorosa discussão em que nenhum dos participantes lhe deu ouvido.
- Então, eu acho que nós poderíamos... – tentou novamente sem sucesso.
Contudo, alguns segundos após a sua desistência de comunicação, ele foi solicitado.
- Vítor, fala alguma coisa, pô! Não sei nem porque te trouxe até aqui! Se fosse pra ficar mudo desse jeito eu traria o papel higiênico!
- Na... Na... Na verdade eu acho que a falta do papel higiênico pode ser a solução.
Todos finalmente se calaram e se imobilizaram, escutando o que ele estava dizendo com expressões interrogativas. Como se não acreditasse neste silêncio ele permaneceu ali, estático, até ouvir mais um grito do Senhor Marcondes.
- É que... Se não houver papel higiênico, sabonete, papel toalha e incensos, ninguém vai querer ir ao banheiro. Se... Se o banheiro estiver fedendo, ninguém vai ficar lá, quem não quiser cheirar, não vai fazer.
Ao terminar estas palavras todos continuaram encarando-o por um décimo de segundo antes de voltar a discutir calorosamente, mas desta vez, demonstrando a mesma ideia sob diferentes olhares.
As mudanças logo vieram e, novamente, a frequência ao banheiro diminuiu drasticamente. No entanto, Walfrido e Lesmael continuaram firmes em suas conversas.
- Cara, isso está tão fedido que não consigo sentir meu próprio cheiro.
- Não dá pra sentir nem a bosta do Otávio!
- Falando em bosta, você lembrou de trazer o papel higiênico?
E assim se passavam os dias surpreendentes na empresa do Senhor Marcondes, que pensava não exigir nada além do necessário de seus funcionários. E a alta rotatividade era o maior sinal de que essa geração não conseguiria sobreviver no mercado de trabalho. Preguiçosos, negligentes e ignorantes. Não tinha mesmo solução.
Até que um dia, além de todos esses defeitos, mais um se somou: mal agradecidos.
Várias denúncias chegaram ao sindicato e ao Ministério do Trabalho, e, o Senhor Marcondes, ainda não possuía influência suficiente para explica-las de uma maneira coerente. Por isso, mesmo ele acreditando que ir ao banheiro durante o serviço fosse para os fracos e descontrolados, os banheiros tiveram que retornar ao que eram antes, privados e custosos.
Walfrido e Lesmael perderam o banheiro público. Até tentaram conversar através das divisórias, mas a falta de contato visual e a grande perda de adrenalina, sem contar a impossibilidade de sussurrar as fofocas, não conseguiram sustentar a rotina.

E, sem mais, nem menos, assim como perderam o banheiro público, também perderam seus empregos.

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